Nos dois meses anteriores,
sobretudo, no último, percebi o significado mais profundo das palavras
“conectado” e “desconectado” – quando estas se referem às redes sociais. Fiquei
a maior parte deste tempo desconectado do “tempo” chamado Facebook. Por curiosidade voltava em alguns momentos para saber o
que estavam falando. Então tinha vontade de comentar e curtir posts. Porém uma espécie de voz oculta,
tal qual aquela que rege o método do pesquisador positivista, recomendava me
desligar novamente daquele mundo. Um mundo de ficção surrealista que, no
entanto, em vez de fugir do comum e do real, tinha com ele uma estranha relação
de proximidade tão pontual quanto ambígua.
O Facebook tinha se transformado, da cabeça aos pés, da imagem à grafia, do rosto ao livro, num teatro de inúmeros personagens em torno de uma peça única: as eleições. Colado ao tradicional princípio de máscaras do teatro, o público se confundia com os personagens. Mas tratava-se de uma catarse diferente. Pois o público também compunha o elenco. Cada um dele era um personagem específico. Milhões de personagens! O que quer dizer que, no sentido exclusivo do termo, ninguém assistia a apresentação. E, ao mesmo tempo, todos a assistiam se assistindo. Todos participavam das cenas, contudo e misteriosamente, nenhum dos personagens sabia o desfecho que eles mesmos produziriam. Havia antagonistas e protagonistas, heróis e vilões. Polarização. Esta que, segundo uma das personagens principais, Marina Silva, estragava o espetáculo. E estragou. Polarização da qual a própria personagem, no decorrer da narrativa, se rendeu e foi (mais uma) vítima.
O Facebook tinha se transformado, da cabeça aos pés, da imagem à grafia, do rosto ao livro, num teatro de inúmeros personagens em torno de uma peça única: as eleições. Colado ao tradicional princípio de máscaras do teatro, o público se confundia com os personagens. Mas tratava-se de uma catarse diferente. Pois o público também compunha o elenco. Cada um dele era um personagem específico. Milhões de personagens! O que quer dizer que, no sentido exclusivo do termo, ninguém assistia a apresentação. E, ao mesmo tempo, todos a assistiam se assistindo. Todos participavam das cenas, contudo e misteriosamente, nenhum dos personagens sabia o desfecho que eles mesmos produziriam. Havia antagonistas e protagonistas, heróis e vilões. Polarização. Esta que, segundo uma das personagens principais, Marina Silva, estragava o espetáculo. E estragou. Polarização da qual a própria personagem, no decorrer da narrativa, se rendeu e foi (mais uma) vítima.
Eu, que não era exatamente alguém
do elenco, de relance, olhava pela fresta da porta as encenações do
público-personagens. E me espantava. Em tempos de redes sociais, a militância,
em favor de um personagem principal e contra outro, nunca foi tão similar ao
militarismo. Exércitos de soldados. Felizmente as armas usadas não mataram.
Afinal, era “só” um teatro. Mas feriram. E disseminaram ódio entre o próprio elenco.
Ódio que pode vir a matar, transformando futuramente o teatro num reality show:
com seus campos de concentração e paredões.
Espantei-me mais ainda quando vi o
grau de confusão causado pelo jogo de máscaras. Gente que, antes, usava seu
“mural” para postar selfies, fotos de
gatos e piadas de humor duvidoso, estava agora falando de política como quem
saboreia um pacote de bolacha no lanche da tarde. Algumas análises eram tão
profundas quanto às de determinados comentaristas de futebol da Copa que nem
ideia faziam do que era um escanteio. Professores universitários que geralmente
se mantinham insípidos às discussões políticas (e nunca faziam críticas aos
governos) começaram a se posicionar de modo nunca visto, às vezes como crianças
birrentas diante da ameaça de ter seu brinquedo tirado de si. Eu que tento
postar reflexões e provocações sobre política durante o ano inteiro, me vi
completamente “desconectado”. É que me sentia pouco a vontade com a
“polarização” (mais forçada do que verossímil) entre os dois últimos
personagens principais da cena. Desconfiado com a democracia que tem no voto o
alfa e o ômega, e concordando com o que postou meu primo João Gabriel, não via
à hora de acabar esta peça para começarmos a discutir novamente sobre política.
(Estes homônimos também fazem parte do baile de máscaras).
Algo positivo em todo este teatro
é ver a sociedade brasileira debatendo temas e projetos do quais se alienou
durante a maior parte da história. Mas tenho uma hipótese que aponta para o
lado negativo. A acentuação das discussões em torno da política no período
pré-eleitoral é inversamente proporcional a indiferença que a mesma provoca na
população fora deste espaço de tempo. Infelizmente este último é o que faz toda
a diferença, já que um mandato nos moldes do nosso sistema é exercido durante
quatro anos e não durante os dois ou três meses que os pretensos representantes
do povo aparecem continuamente na TV.
Usaram a metáfora das torcidas de
futebol para descrever o comportamento dos eleitores brasileiros nas redes
sociais, então, pode ser interessante compararmos este eleitor, que só se
interessa por política ou expõe publicamente suas opiniões durante a eleição,
com aquele torcedor que só se relaciona com seu time de coração quando vai para
a final. Durante o campeonato e, sobretudo, quando a equipe vai mal, ele
simplesmente se esquece de “torcer”. Não incentiva, portanto, seu time a
conquistar algo. Entretanto, diferente de um time de futebol, que para obter bons
resultados depende essencialmente apenas de seus atletas, na democracia a
situação se torna mais delicada, pois sem participação geral ela tende a
enfraquecer e até se dissipar. Num post
recente, a professora de filosofia Camila Jourdan chamou atenção para este
fato. No
atual cenário político que vivemos, a pressão de inúmeros vetores faz muito
mais diferença do que eleger o candidato A ou B. Entre estes vetores está a
população – que não necessariamente coincide com banqueiros, grandes
empresários, latifundiários e etc. Setores estes para os quais o PT tem cedido
cada vez mais para se manter no governo e dos quais historicamente o PSBD tem
sido aliado.
Como apontou Eliane Brum em O longo dia seguinte, a
tônica do debate eleitoral no Brasil foi politicamente esvaziada em prol de uma
retórica que garanta a manutenção do poder. Prova disso se fez quando Aécio
prometeu continuidade aos programas sociais – como o Bolsa Família, alvo de
crítica da maioria dos opositores ideológicos do PT. E ficou mais destacado
quando militantes petistas, ao mesmo tempo, ao dizerem que esta era uma mentira
cabeluda (como se pudessem prever o futuro), usavam-na como verdade para tentar
convencer eleitores de Aécio a não votar nele, partindo do suposto de que o
candidato não acabaria com as “Bolsas”. No fundo, mostrou-se o medo de perder o
poder. Afinal o que seria do PT se aparecesse um governo que mantivesse todas
as conquistas sociais durante estes anos na presidência? Isto é, qual argumento
iria usar para se mostrar “melhor” que outro partido? Nesta celeuma, ficou
claro que boa parte da população está insatisfeita com o PT, porém, talvez mais
com o modelo de governabilidade brasileiro. Modelo este que, diga-se de
passagem, nem nos sonhos mais malucos se alteraria com um governo do PSBD.
Seria, sim, tão-somente uma outra forma de administrar o mesmo modelo. Talvez
mais catastrófica para aqueles que ficam com a menor fatia do bolo ou aqueles
que, embora façam parte do elenco, sequer são cogitados para uma eventual festa
de premiação do espetáculo.
É óbvio que as Jornadas de Junho
aconteceram como exigência de mudança. Não só na presidência. Mas nos governos
estaduais, nas prefeituras e nas câmaras legislativas onde não existia só PT,
mas PSDB, PMBD, DEM, etc. Porém diante da falta de opções, seguiu-se com o
mesmo para não abraçar algo talvez pior: por medo. Um personagem deste
eleitorado vi de forma mais clara fora do teatro das redes sociais. Um taxista,
já bem senhor, que conhecia de perto o PSDB e seus aliados aqui em
Uberlândia-MG. Chegara a trabalhar por anos para um dos ex-prefeitos da cidade.
Desiludido com a política institucional nos perguntou contra quem votaríamos no
domingo. Ele votaria contra o Aécio. Bastava. Disse para agradecermos a chuva
que caia naquele dia. Era tudo o que importava. O resto foi coragem de
abstenção e de voto nulo.
Ao fim do espetáculo, parte do
público-elenco não gostou nada nada do desenlace final da narrativa.
Especialmente porque o clímax sinalizou outro fim, talvez mais surpreendente,
sem dúvidas. Mas nesta confusão de máscaras pode se dizer que até o previsível
surpreendeu. O elenco já dividido, antagonizado, desde então, agora troca as
máscaras. Mas elas parecem continuar se contrastando e se opondo como os
uniformes de dois times rivais. Vermelho versus Azul. Pobre versus Rico.
Petralha versus Coxinha. Terrorista contra Playboy. Sul contra Nordeste. Brasil
contra Brasil. O tempo contra nós. Derrota inevitável? A vitória de Dilma foi
só o gol de empate. Para ganhar este jogo precisamos inventar novos
personagens. Ou, melhor, outro tempo, no qual possamos nos “reconectar”.
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