terça-feira, 18 de agosto de 2015

História dos Estados Unidos por René Rémond: resumo das primeiras colônias à independência

A faixa litorânea atlântica da América do Norte demorou a ser colonizada caso a comparemos com as terras meridionais e centrais. O Canadá já havia sido ocupado pelos franceses desde o século 16 e a Flórida anexada ao império espanhol. Este atraso se deve em parte à geografia da costa, ora pantanosa ora rochosa cujo acesso ao interior era dificultado, mas também ao clima (às vezes glacial, às vezes sufocante) e à ausência daquilo que atraia os colonizadores: especiarias e metais preciosos. Mesmo atrasada, a Inglaterra (que aliás emergia como uma nova potência colonial) levou a melhor sobre todos seus concorrentes (franceses, espanhóis, holandeses e suecos), conseguindo eliminá-los mediante negociação ou guerra e tornando-se dona de toda a costa.  

A primeira colônia anglo-saxônica no Novo Mundo foi Jamestown, fundada em 1607. A época colonial (1607-1763) da história dos Estados Unidos da América prenuncia muitas características até hoje atuais. “O país recebeu deste período o legado de uma população, de uma sociedade, de uma economia, de uma mentalidade, de uma parte de suas instituições políticas, de suas tradições jurídicas e instituições judiciárias, e também alguns de seus problemas” (p. 01). Embora seja sempre narrada a história dos 120 peregrinos que chegaram a bordo do famoso navio Mayflower em 1620 vindos das Províncias Unidas, o povoamento deste território não foi nada homogêneo. Para falar apenas do núcleo principal, havia ingleses, escoceses, galeses mas também alemães, suecos e até franceses (estes últimos eram sobretudo protestantes fugindo da intolerância católica). Separadas por relativas distâncias entremeadas por florestas, savanas e tribos indígenas, formaram-se três tipos de colônias, todas elas independentes entre si.

No grupo da Nova Inglaterra havia quatro: New Hampshire, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island. Possuía uma economia composta por agricultura, pecuária, pesca, comércio e indústria em fase inicial. O puritanismo era a religião hegemônica. Muitas destas pessoas haviam saído de suas terras natais para não conflitar com os ordenamentos de um príncipe que não professava a mesma religião que a delas. Estado e igreja para eles estava intimamente ligados e a religião regia não somente a vida pública, mas também a vida privada. Diante deste fato era comum que ocorresse intolerância contra os que agiam em desacordo aos costumes da comunidade. Foi numa das colônias da Nova Inglaterra que aconteceu a chamada caça às bruxas de Salem. Porém a religião também teve seus pontos positivos. É na Nova Inglaterra que os primeiros colégios foram fundados. Inicialmente com o objetivo de formar ministros clérigos, as sementes das futuras universidades do Leste foram plantadas (Havard por exemplo é de 1636). Por influenciar também a vida política, a religião calvinista formou hábitos democráticos. As igrejas eram administradas livremente pela comunidade. Isso fez com que as decisões sobre o lugar onde viviam também fossem participativas. Boston, já com 20 mil habitantes no século 18, é a cidade símbolo das colônias da Nova Inglaterra: “atividade econômica diferenciada e lucrativa, índole religiosa, prática democrática, tradição intelectual... foi uma das primeiras cidades a pegar em armas pela independência” (p. 6-7).  

Composto por cinco colônias, o grupo do Sul era bem distinto ao da Nova Inglaterra. São elas: Maryland (homenagem dos católicos à Virgem Maria), Virgínia (homenagem à rainha Elizabeth I, a “Rainha Virgem”), Carolina do Norte e do Sul e Geórgia (homenagem ao rei George I). Sua densidade populacional era menor, com poucas cidades, devido ao fato de viverem exclusivamente da terra. A economia se baseava no sistema plantation: grandes propriedades monocultoras (de tabaco, arroz, índigo e depois algodão) onde a mão de obra constituía-se por escravos e os produtos eram destinados especialmente ao comércio exterior. Os escravos vinham do tráfico negreiro da África e desde o século 18 eram mais numerosos do que os homens livres. Da escravatura obviamente germinava a vulnerabilidade desta sociedade cujos fundamentos e gostos eram aristocráticos. Além disso, estava seu sucesso sujeito às condições atmosféricas e às tribulações do comércio em terras alhures. Diferentemente da “democrática” Nova Inglaterra, e também devido ao abismo social entre fazendeiros e escravos, a oligarquia governava a colônia a seu bel-prazer.      

Entre estes dois grupos que geralmente os livros didáticos de história descrevem apenas como as do sul e as do norte, havia também o grupo das colônias intermediárias: Nova York, Nova Jersey, Delaware e Pensilvânia. Estas não se assemelhavam a nenhum dos dois grupos anteriores (menos ainda com as do Sul) e também eram menos homogêneas do que os demais. Nova York vivia vestígios de sua antiga colonização, chamava-se inicialmente Nova Amsterdã, e Delaware tinha lá sua herança social dos ex-colonos suecos. Foi o inimigo comum que fez com que se unissem as treze colônias (divididas por Rémond em três grupos). O primeiro inimigo comum foram os indígenas, poucos porém perigosos – pelo menos até o momento em que armas de fogo foram aprimoradas. O segundo, os franceses, que já estavam no Canadá há tempos e podiam espremer os anglo-americanos em direção ao mar em busca de mais terras. Todavia eram apenas sessenta mil, no século 18, e, além disso, espalhados. Já os súditos britânicos passavam de um milhão e meio. Veio a guerra dos Sete Anos. E então os habitantes das treze colônias ajudaram sua metrópole a derrotar os franceses em suas terras. Foi bom para os dois lados. Por um lado a Inglaterra protegeu a tomada de sua colônia. Por outro os anglo-americanos ganharam experiência em conflitos bélicos. George Washington conquistou notoriedade ultramarina ao liderar batalhões.

A independência (1763-1783)

A independência foi o processo indireto da vitória da metrópole inglesa e suas colônias contra a França, na medida em que apenas treze anos separam a eliminação do perigo francês, em 1763, do rompimento das colônias americanas com a Coroa britânica, em 1776. No entanto, após o término da Guerra dos Sete Anos, nada indicava este acontecimento ou sequer alguém entre os anglo-americanos o desejava. Então quais foram suas causas? Primeiro, a vitória mostrou aos americanos que eles tinham força e não precisavam mais da presença de soldados ingleses em seu solo, pois podiam prover sua própria segurança. Segundo, diante das dívidas de guerra, a Inglaterra impôs uma série de medidas vexatórias contra os colonos. Ao aplicar novos impostos e a exclusividade do pacto colonial (cuja obrigação da colônia era a de comercializar somente com a metrópole), a Coroa desagradou todos os americanos e sobretudo “uma classe de negociantes, armadores e marinheiros que tinham baseado sua fortuna no comércio com as Antilhas francesas e espanholas” (p. 16). Mais do que isso os americanos esperavam que o Oeste lhes fosse concedido após a vitória da guerra, porém, o governo de Londres decidiu agradar seus novos súditos, os canadenses, proibindo a infiltração de colonos americanos em tais terras.

Os novos impostos oneraram os colonos e puseram uma discussão em pauta: o governo inglês teria direito de cobrar estes tributos tendo em vista que estavam em desacordo com um valioso princípio constitucional inglês segundo o qual nenhum novo imposto pode existir sem o consentimento dos representantes? Os ingleses achavam que sim, pois o Parlamento de Londres representava todos os súditos. Os americanos achavam que não, já que não havia gente de seu povo nesta câmara e somente suas assembleias podiam autorizar o imposto em seus nomes. “O ponto de vista do governo londrino ameaçava o poder de controle de que estas haviam gradualmente se apoderado: após sua autonomia comercial, as colônias viam agora ameaçada sua autonomia política” (p. 17). Diante do impasse, em 1770, a metrópole resolveu ceder e retirou todos os novos impostos, com exceção da Lei do Chá. Isso não bastava para os colonos, uma vez que não colocava em xeque o direito. Quer dizer, continuavam dependentes do humor arbitrário de Londres. Parece mesmo que, na medida em que se viam dentro de uma perspectiva coerente ao legalismo britânico, os colonos não podiam aceitar tal coisa. Isto é, “incapazes de obter da Grã-Bretanha a aplicação dos princípios constitucionais ingleses, não podendo ser totalmente ingleses, os colonos e seus descendentes preferirão ser apenas americanos” (p. 17).

Porém, até aceitar este sentimento, fazendo da impressão uma realidade política, levou tempo. Para ser mais claro: depois do fracasso de várias tentativas de conciliação. A opinião sobre a secessão dividia-se tanto de um lado quanto de outro do Atlântico. Muitos americanos ficaram apreensivos diante da eminência de ficarem sós, bem como tinham a certeza de que não seriam capazes de romper à força o laço entre colônia e metrópole. Porém, embora não houvesse nesta altura um órgão legítimo que concentrasse e exprimisse as vontades dos colonos, a partir de 1773 surgiram alguns eventos imprevisíveis cujos desencadeamentos encaminharam de modo quase inevitável para uma guerra de independência. “Esses episódios constituem os anais gloriosos da liberdade americana” (p. 18).

Em 16 de dezembro de 1773, cinquenta colonos se fantasiaram de indígenas e invadiram um navio da Companhia das Índias Orientais no porto de Boston. Feito a incursão, eles lançaram ao mar toda a carga de chá ali presente. As autoridades locais se mantiveram passivas, mostrando-se coniventes com a ação. Prontamente o governo londrino respondeu lançando cinco decretos que arruinaram o comércio da cidade e cercearam as liberdades dos cidadãos de Massachusetts. Pretendia com esta medida punir de forma exemplar, entretanto, não contavam que as outras colônias iriam apoiar o Estado onde aconteceu a revolta. Meses depois, em setembro de 1774, seguindo ideia de Franklin, representantes das treze colônias se reuniram no chamado primeiro Congresso Continental da Filadélfia. Neste encontro ainda não estava em pauta a independência nem sequer a formação de um governo comum, era tão somente para encontrar os meios adequados para conquistar o reconhecimento de seus direitos frente ao estado de coisas. Mas isso alimentou elementos para a construção de um movimento insurrecional: comitês de correspondência formavam redes continentais; armas foram reunidas; milícias foram treinadas; legislaturas revolucionárias surgiram; multiplicavam os panfletos e jornais. “A revolução americana foi a primeira na qual a imprensa desempenhou um papel importante” (p. 19).

A Coroa inglesa começou a se mexer para evitar a revolta. O general inglês que comandava em Boston tentou tomar um depósito de armas em Concord. Os americanos descobriram e então ocorreu o confronto conhecido como a fuzilaria de Lexington. Meses depois, em Bunker Hill, outro conflito fez com que a infantaria inglesa perdesse por volta de mil soldados. Entre estes dois combates, aconteceu o segundo Congresso Continental da Filadélfia. Desta vez decidiu-se formar um exército continental cujo comando ficaria a cargo de George Washington. “Escolha decisiva: a independência americana, a confiança dos insurgentes no êxito de sua casa, sua reputação além dos mares, deveram mais ao desinteresse desse homem, às suas virtudes cívicas e militares, do que a todo e qualquer outro fator. Daí em diante, a independência estava adquirida nos fatos, mesmo antes de ser reivindicada”, escreve Remond (p. 20).

No ano seguinte, mais precisamente em 4 de julho de 1776, veio a público a Declaração de Independência, data que viria a ser comemorada religiosamente ano após ano nos Estados Unidos. Ao fundamentar no direito a insurreição e enunciar um sistema de valores seguidos pelos homens de Estado, o texto da declaração formou a base da filosofia política do povo americano. Ele surge antes da Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão e constitui a origem de dois movimentos históricos, sobretudo por se tratar da primeira vez em que uma nação proclamava princípios fundamentais a respeito de uma sociedade política. “Por um lado, era a primeira vez que colônias se emancipavam: a sublevação americana anunciava, assim, por antecipação, todos os movimentos de independência colonial. Implantou no âmago da mentalidade americana o reflexo anticolonialista. [...] Por outro lado, foi a origem da onda revolucionária que, reatada e ampliada pela Revolução Francesa, iria derrubar, um após outro, os regimes estabelecidos até a Revolução Russa de 1917: a Revolução Americana é, simultaneamente, a mãe das revoluções e dos movimentos de independência” (p. 21).

Depois de proclamada a independência restava conquistá-la na prática. E esse processo durou longos sete anos. A dificuldade era mais do que justificada, afinal, os britânicos contavam com um exército regular e equipado, enquanto os colonos apenas com um exército improvisado composto por voluntários; metade combatentes, metade agricultores, com um olho na guerra, outro em seus negócios. Diante da falta de disciplina militar, podiam abandonar o front quando quisessem. Mais do que isso, a ausência de recursos era patente, as colônias não possuíam indústrias e o Congresso Continental da Filadélfia não tinha legitimidade para cobrar impostos. Sendo assim, precisavam de aliados. Mas quem poderia por frente a uma potência marítima como a Inglaterra senão a França, inimiga de outrora que ajudaram a combater? Pois foi esta mesma. Franklin foi quem negociou a aliança. Os franceses forneceram dinheiro, armas, um corpo expedicionário, uma esquadra e a aliança espanhola. Dois episódios mostraram o sucesso desta empreita. A capitulação de uma coluna inglesa em Saratoga, em 17 de outubro de 1777, quando os americanos encurralaram-na num terreno plano, marcou a assinatura do tratado. Cinco anos depois, em 19 de outubro de 1782, outra capitulação, desta vez de uma guarnição entrincheirada em Yorktown.

Já quase totalmente resolvidos os problemas militar e diplomático, faltava resolver o problema político. Esta foi uma questão responsável por arrastar durante tanto tempo a guerra de independência. Sim, pois como levantar um exército, contratar alianças, contrair empréstimos diante do fato de não existir uma autoridade política? Mesmo o Congresso Continental não dispunha de um poder de coerção para forçar todos os Estados a aderir a suas decisões. E os Estados declarados independentes não queriam alienar suas autonomias. Foi Washington o responsável por suprir a falta de uma autoridade funcional. A Inglaterra concordou em negociar em 30 de novembro de 1782, a guerra estava acabada. Em 3 de setembro 1783 uma negociação geral com franceses e americanos em Versalhes encerrou o certame completamente. Finalmente a metrópole reconheceu a independência das treze colônias. A história destas estava apenas começando: “a história de uma nova América independente, ao mesmo tempo prolongamento da Europa e separada dela, herdeira da Inglaterra e nascida de uma rebelião contra seu governo” (p. 23).

Referências:
RÉMOND, René. História dos Estados Unidos. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 
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