No mês passado Tempos Safados completou cinco anos. Depois
de todo este tempo e dos perrengues pelos quais passou e ainda continuar vivo,
considerei que seria interessante escrever um post autorreferente para
comemorar a data. Então este post vai contar sobre bastidores da trajetória do
blog, coisas que inclusive nunca vieram a público.
<< O início >>
Foi exatamente no dia 03 de junho
de 2011 que resolvi abrir este espaço. Na época eu lecionava história na escola
da Penitenciária Prof. Pimenta da Veiga e surgiu uma discussão de âmbito nacional
a respeito de um livro didático que utilizava expressões coloquiais para
ensinar modos corretos de se expressar o português conforme o contexto, escrito
ou falado. O debate chegou ao ambiente de trabalho e círculo de amizades, dividindo
opiniões. Como para mim não existia ainda Facebook, escrevi um “textão” sobre o assunto e colei na porta do meu armário da escola. Depois,
seguindo inspiração do Diego Leão, um amigo com quem dividia aluguel na época e
que possuía um blog muito interessante de contos e poesia, criei o Tempos Safados.
A proposta de abrangência do blog
em seus primórdios era muito modesta. Durante muito tempo meus (únicos?) interlocutores
eram colegas mais próximos. A maioria cursava graduação ou pós-graduação em
história na Federal de Uberlândia, outros tinham transferido a
pouco tempo ou faziam outros cursos. Os nomes de alguns inclusive aparecem nos primeiros posts. Era a
partir de discussões iniciais presenciais ou virtuais com eles que nasciam os
posts. Depois dos seis meses iniciais, fazendo no máximo um post por mês porque
eu trabalhava muito, o blog começou a ter mais visitas e foi tomando uma forma
um pouco diferente daquela que o originou. Pois por mais que houvesse
embasamento nos posts em formato de artigo de opinião, eles eram bem
direcionados.
<< O segundo limiar >>
Com o aumento dos acessos passei a
escrever textos para o público geral. Criei uma linha editorial. Fiz uma
apresentação demonstrando objetivos e perspectivas, explicando até a escolha do
título do blog que ainda hoje causa estranheza (inclusive em mim). Esta apresentação,
meio tosca, é a mesma até hoje (por puro descaso, confesso). A ideia deste
segundo início e ainda vigente, era, além de problematizar questões (coisa que
já tentava fazer), apresentar perspectivas distintas do senso comum que as
leituras e discussões do curso haviam me ajudado a construir. Se fosse para reforçar
opiniões e visões já correntes não faria sentido criar um blog, bastaria entrar
na caixa de comentários do G1. O intuito, por mais ingênuo que seja, tem uma
conotação iluminista. Mas também libertária. O que quer dizer que, sim, quero
informar ao leitor determinadas concepções de olhar sobre mundo e de construir
conhecimento. Contudo não gostaria que ele tomasse isso como uma lição final,
nem tampouco a aceitasse completamente. O blog pode até ser uma mamãe-águia que
traz comida de longe para seu filhote, mas ela também quer que ele voe e
encontre seu próprio alimento, então, ela o empurra desfiladeiro abaixo como se
dissesse: “Voe, disgrama ruim! Ou morra”. Nunca lidei bem com o fato do
conhecimento produzido nas universidades ficar restrito a elas ou chegar,
quando muito, à escola. E apesar de valorizar bastante este conhecimento, achá-lo
importante e essencial para a vida, em muitos posts utilizo as “ferramentas”
que aprendi com o próprio saber acadêmico para criticá-lo, demonstrando suas fragilidades e
limites. Quer dizer, iluminismo: sim. Crítica ao “esclarecimento”: também. Mas para
isso o leitor precisa ir atrás de outras referências, precisa ser curioso, no mínimo, investigando as obras indicadas que deixo.
<< Eu, leitor de mim >>
Um blog não é um diário secreto. É
óbvio que escrevemos para sermos lidos. Escrevemos “para os outros”. Mas olha. Esse
processo de escrita, assim como o que Foucault chama de escrita de si (que é
uma coisa totalmente distinta, diga-se), serve muito mais para quem escreve. O blog
me ajudou bastante a estudar e a sistematizar a informação apreendida. Passei a
recomendar a prática a todos os amigos. Ajudou-me a escrever melhor e mais
rápido, a tentar ser mais claro e conciso, a colocar no “papel” de maneira
organizada, coesa e coerente sistemas de pensamento complexos. Como qualquer
exercício a escrita é um treino. E se aprimora escrevendo. Nesse sentido é
perceptível a transformação que meus textos sofreram desde que iniciei o blog. Dos
primeiros tenho inclusive até certa vergonha. Em vários eu fiz retoques na
redação, embora mantendo a ideia para lembrar-me que já pensei de tal forma. Daqui
uns cinco ou dez anos espero olhar para os textos de hoje e ter a mesma
impressão. Triste é aquele que não muda. Que não percebe que melhorou ou, por
arrogância ou preguiça, não quer melhorar.
<< Para mí, pero no mucho >>
Até por conta deste aprimoramento
o blog foi ganhando algum rigor acadêmico, tornando-se mais sério. O relativo sucesso
entre os colegas que liam o blog e me davam um feedback positivo (incrivelmente
de diferentes perspectivas teóricas e/ou políticas) foi criando automaticamente
uma responsabilidade. Não me considero perfeccionista, mas em geral gosto de
fazer as coisas com algum esmero. Isto é, fazer o melhor que posso dentro de
determinadas circunstâncias. E independentemente do retorno fico satisfeito
quando consigo. Isso chegou ao ponto do conteúdo de algumas postagens servirem
quase exclusivamente para os outros e baterem recordes de acessos. É o
caso do resumo de Vigiar e punir. Eu já
havia lido o livro. Alguns capítulos mais de uma vez, inclusive. Porém não havia
feito nenhuma resenha ou fichamento. Foi quando o professor e amigo Deivy
Carneiro me convidou para apresentar uma introdução do pensamento de Michel
Foucault para uma turma de graduação. O professor discutiria Vigiar e punir em perspectiva paralela com O processo civilizador de Norbert Elias a questão da disciplina, do
crime e da punição na modernidade (pelo que lembro). Foi então que resumi a
obra e depois decidi subir no blog devido à falta de posts na época.
Muito por conta da
responsabilidade imposta de mim sobre mim mesmo (“vou apresentar coisas novas/desconhecidas
e interessantes ou postar resenhas e resumos úteis e bem escritos”, era o que
meu superego dizia), mas também por conta do tempo escasso devido ao excesso de
trabalho (seja nas escolas, seja correndo para escrever a dissertação de
mestrado dentro do prazo), as postagens foram diminuindo cada vez mais e a vontade de
parar o blog idem. Por vezes pensei em tornar o blog “mais comercial”,
alterando o título e fazendo mudanças estruturais, como parcerias com editoras.
Cheguei a comprar um domínio (brevestempos.com) que jamais utilizei. Isso tudo nunca
vingou. Porque no fundo sou teimoso e conservador em alguns princípios. A exigência
da produtividade para parcerias com editoras ou para alavancar as visualizações
do blog é algo, na minha cabeça, contra a proposta de sua linha editorial. Não,
não. Eu não vou criar um post com uma imagem descolada de um autor da moda
(Foucault? Nietzsche?) com um mini-texto avassalador de sete linhas prometendo
o ingresso para a saída da caverna e que, para isto, basta clicar num link cujo
desdobramento se dá em mais dois parágrafos e que logo terminará com a indicação de
outro link de mesmo naipe. Não faço porque não acho honesto com o leitor. Pode até
passar uma sensação de conhecimento, mas olha, não é não, é só outro
tijolo no muro do consumismo. É possível utilizar outras estratégias para
atrair a atenção do leitor para o texto. Diletantismo? Tudo bem. Mas que seja sério.
Pois de picaretas estamos cheios. Por isso me considero muito mais um ativista
do esclarecimento, da educação, do “não deixe que a universidade atrapalhe seus
estudos” (como repetia sempre um professor com quem aprendi muito e ao qual sou
grato, apesar dos pesares) do que um braço do diletantismo cult.
<< O pagamento >>
Talvez por conta do blog ter
começado sem grandes pretensões ele segue mais ou menos assim até esta data. É um
hobby. Faço por diversão. Nunca recebi um único centavo para escrever. Mas quem
sabe um dia, depois de seu fim, reúna e reconstrua alguns textos e publique em
formato de livro (o que não quer dizer que vou lucrar com tal. Livro no Brasil
só dá dinheiro para editora e livraria e Augusto Cury). Apesar disso, é preciso
dizer que embora não tenha entrado dinheiro na minha conta, o retorno sempre
existe. Vem em forma de incentivos que recebi durante todo este tempo,
principalmente, de amigos e colegas. Por mais divertido que seja escrever é bem
mais prazeroso quando seu trabalho é reconhecido. A gente vive em sociedade,
então é inevitável que os elogios e as críticas exerçam algum efeito sobre seu
ânimo e conduta. Fico extremamente contente quando algum leitor aparece dizendo
que tal texto lhe ajudou de alguma maneira. Esse pagamento é o que mantém a
bagaça na ativa.
Conheci algumas pessoas através
do blog. De algumas me tornei amigo virtual: Aline, Silvio, Vivian, Ivana e Bruno (que aliás
sumiu), respectivamente do Paraná, do Rio, do Rio também, do Pará, de Sampa, são alguns destes
que estiveram ou estão na lista de amigos do Facebook e com quem aprendo e interajo bem.
Gente que provavelmente não conheceria de outra forma. Uns vem e vão. Uns
enviaram textos para meu e-mail com o intuito de continuar discussões iniciadas
no blog. Umas fluíram, outras não. E o melhor elogio veio de um colega inteligente
e estudioso, vejam só, de ideias conservadoras e com quem não tenho mais contato (são
as voltas que a vida dá), disse mais ou menos algo como “é o melhor blog de
história que existia no Brasil” (exagero, óbvio) e que eu “escrevia tudo
direitinho” (ele queria dizer que eu não deturpava os autores, acho). O interessante
é que se este colega elogiasse minhas concepções políticas eu ia desconfiar
muito de mim mesmo, não ia ficar contente, achando que estivesse agindo errado.
E vieram outros incentivos tão bacanas e motivadores quanto. De amigos, de
professores, de alunos... e de estranhos. Agradeço o obrigado de todos.
<< Hello, strange >>
Além de elogios sempre tem o
espanto com o nome do blog. Um professor disse certa vez que não poderia ter
nome melhor. Acho que ele se referia às profanações à academia que faço, as “sacanagens”.
A verdade é que em muitos lugares o acesso ao blog nem é possível porque
bloqueia pornografia. E sempre que olho na página de administrador aparecem termos pornográficos nas palavras que trouxeram ao meu blog. Imagino que já
passei raiva em muita gente ao longo destes cinco anos. Mas o nome também gera situações
engraçadas como estas dez que coletei no Twitter:
01. Pois é, miga. Nunca julgue um
livro pela capa.
02. Cavalo dado não se olha os
dentes, não é mesmo, brou? Esse mundo é a hipermodernidade.
03. Há Certeau, mizeravi!
04. E quem falou que teoria da história
não pode ser excitante?
05. “Vai ter sim! E se reclamar
vai ter duas vezes”, diga ao seu professor.
06. Aprecie com moderação, amigo.
07. Outra época divertida do blog
foi quando adicionei uma ferramenta em que se podia ver de onde vinham os
acessos. Por exemplo, a cidade, o tipo de navegador, o post, a duração da
visualização, a operadora de internet e etc. Foi então que descobri acessos
impensáveis como alguns vindo do Supremo Tribunal Federal (sim, o STF) de
Brasília. E eles estavam lendo Vigiar
& Punir. Bom, se eles podem, né, Marquinhos, então você também.
08. Provavelmente este é o relato
mais divertido e também preocupante:
Dias depois:
Professores, cobrem resenhas
dessa galera! Hahahahaha...
09. Agora a maior surpresa de
todas do universo. A NASA (Nasa Glenn Research Center) lendo textos do blog. E logo
um que falava sobre o apoio dos Estados Unidos ao Golpe Militar de 1964 no
Brasil. Fiquei preocupado em me mandarem para Guantánamo. Felizmente não era a
CIA.
10. É o que sempre digo:
Depois de cinco anos é possível
que o blog feche as portas de vez. Óbvio que os textos continuarão online, o
domínio do blogger é público e grátis. Um segredinho: a ideia era chegar aos
100 posts em junho (estou no 95) e encerrar com algo parecido com isso aqui,
mas não consegui e tenho uma lista de temas para posts mais velha do que um tricerátops. Então o blog deve seguir até o final do ano, quando pensarei numa
mudança. Vou continuar escrevendo mas noutro formato e em outro domínio. Não sei
qual. Ou talvez mude para um canal no YouTube para me adaptar à nova realidade
de público. Hoje o Facebook ajuda a divulgar as publicações mas também a gastar
nosso precioso tempo procrastinando ou nele escrevendo laudas e laudas, que
serão perdidas em dois dias ou menos. É inegável o esfacelamento que isso
promoveu nos blogs.
.....
E você, que está lendo este
texto, tem algum comentário a fazer? Há algo inusitado sobre o blog para
contar? Conheceu Tempos Safados através de algum texto em específico? Algum elogio
ou crítica? Comente à vontade aqui embaixo. E muito obrigado por tudo nestes cinco anos. ❤
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