sexta-feira, 14 de junho de 2013

O Lula de Perry Anderson: trajetória de governo

Não é espanto algum ler elogios de intelectuais estrangeiros, especialmente marxistas, ao governo e à figura do ex-presidente Lula. O inglês Eric Hobsbawm afirmou, em 2009, que Lula era o verdadeiro responsável pela introdução da democracia no Brasil. É com o mesmo tom que se inicia o recente artigo de outro historiador do marxismo inglês, Perry Anderson, que pretendo resenhar nas linhas a seguir. Vale considerar que apesar do começo ser uma saudação, até um pouco exagerada, os escritos de Anderson levantam questões e críticas sobre as práticas políticas do Partido dos Trabalhadores e de Lula que merecem ser ressaltadas. Entretanto, neste primeiro post, vou somente descrever o trecho em que o historiador aborda a trajetória de oito anos de governo lulista.

Anderson considera que Lula foi o político mais bem sucedido de todos os tempos, pois conquistou mais popularidade no fim do que no começo do mandato, ainda mais porque, para ele, isso foi produto de uma radicalização de suas medidas de governo do meio para o término. As características de sucesso de Lula seriam frutos de dons pessoais e uma mescla de sensibilidade social afetuosa e frio cálculo político, sem contar o bom-humor e o carisma. A ascensão de um operário de chão de fábrica a líder nacional se deveu a maior insurgência sindicalista do último terço do século e a criação de um partido moderno e democrático (o PT).

Apesar destas qualidades, o historiador narra o início de governo complicado que Lula enfrentou em 2003. Havia uma dívida pública herdada de FHC e que dobrava nesse período. A moeda perdeu quase a metade de seu valor durante as eleições. O país vizinho, a Argentina, acabava de declarar o maior calote ao FMI da história e o Brasil caminhava para o mesmo rumo. Então, o presidente nomeou uma equipe econômica bastante ortodoxa para o Banco Central e Ministério da Fazenda, elevou as taxas de juros e fez cortes no investimento público. Isso fez com que os preços e os desempregos crescessem e os críticos declarassem, a partir de então, uma continuidade de Lula a FHC. No entanto, as medidas deram resultado e o crescimento voltou já em 2004, sobretudo, se apoiando nas exportações.

Em 2005, surgiu a primeira crise política séria no governo com o escândalo do “mensalão”. Esquema em que o governo da situação pagava mensalmente sete mil para cada parlamentar com o objetivo de ter a maioria de votos na Câmara na aprovação de seus projetos. O encarregado de tal operação era o então chefe de gabinete do presidente, José Dirceu. O dinheiro provinha de fundos ilegais controlados pelo PT. Semanas depois de pipocar o escândalo, José Genoíno, assessor do irmão do presidente, foi preso ao tentar embarcar em um vôo com 200 mil dólares na mala e 100 mil na cueca. Duda Mendonça, o coordenador da campanha eleitoral, confessou que a subida a presidência havia sido financiada por meio de “caixa dois” obtido de bancos e empresas interessadas. A estes fatos juntou-se a renúncia do secretário das comunicações, Luiz Gushiken, e o assassinato do prefeito de Santo André, o petista Celso Daniel, supostamente relacionado a esquemas de corrupção envolvendo empresas locais de transporte público. Ao traçar uma perspectiva histórica do mensalão, Perry Anderson minimiza o impacto ao dizer que a corrupção é algo corriqueiro na política brasileira. O próprio FHC, ex-presidente, havia se apoiado na compra de votos de deputados do Amazonas para conseguir o direito de se reeleger. Ademais, Lula, Dirceu e Gushiken, para ele, agiram mais em benefício da causa do projeto político de governo do que em proveito pessoal. No entanto, salienta que a corrupção petista foi a mais sistemática da história brasileira.

A partir disso a mídia caiu em cima e exacerbou o caso. Houve até ameaça de impeachment e Lula apelou às ruas caso isso foi colocado em pauta pelo congresso. Mas a estratégia da oposição, encabeçada por FHC e Serra, foi a de enfraquecer o inimigo até as eleições. Um tiro no pé! O crescimento econômico do PIB subiu 4,6% de 2004 a 2006, enquanto no mandato de FHC atingira no máximo 2,3%. A exportação de soja e minérios de ferro, principalmente para a China, foi a principal responsável por esse crescimento que propiciou receitas maiores – um trunfo para as eleições de 2006.

Anderson (1938)
Mais do que isso, a proposta de redução da pobreza e da desigualdade econômica, após o fracasso do programa Fome Zero, conquistou impulso com programas sociais preexistentes, como o Bolsa Família que, desde então, ficou indelevelmente associado à gestão de Lula. Perry Anderson destaca que o custo do Bolsa Família é pequeno aos cofres do governo, mas que o impacto político é grande. O programa reduz a pobreza e estimula a demanda ao aumentar o poder de compra nas regiões mais carentes. Mas o principal impacto é a “mensagem simbólica contida no programa: a de que o Estado se preocupa com as condições de todos os brasileiros, não importa o quão miseráveis ou oprimidos, como cidadãos com direitos sociais em seu país” (ANDERSON, 2011, p. 29). Além do programa Bolsa Família, outros empreendimentos do governo Lula são destacados pelo historiador: os aumentos de salários, a criação do estatuto do idoso, os créditos consignados, os empréstimos bancários para a compra da casa própria e etc. Medidas que estimularam o consumo popular, expandiram o mercado interno e, logo, levaram a criação de mais empregos, fazendo com que houvesse a maior redução de pobreza da história brasileira.

Embora a educação, em geral, ainda seja de má-qualidade, conforme aponta Anderson, aconteceu uma melhora significativa em relação ao governo anterior. O governo petista triplicou os gastos nesta área, incentivou as universidades privadas fazendo com que elas abrissem vagas para pessoas de baixa-renda e não-brancas, através dos programas políticos, o que dobrou o número de universitários desde 2005. O historiador destaca a democratização da educação comparando-a ao Bill of Rights nos EUA do pós-guerra.

No entanto, houve uma virada de seu eleitorado em 2006. A classe média que apoiara Lula em 2002, insatisfeita com o mensalão, não o apoiou mais em 2002. Porém, pobres e idosos votaram em maior número nele. A campanha eleitoral também foi diferenciada. Segundo Anderson, o Lula do discurso “paz e amor”, de 2002, desapareceu para contra-atacar as privatizações de FHC e Collor. Um trunfo ao seu favor, já que nenhuma empresa foi privatizada durante seu primeiro mandato. O que cabe sérios questionamentos já que o governo fez privatizações indiretas, vendendo partes dos títulos das empresas públicas a iniciativa privada ou então terceirizou, o que acaba a dar quase no mesmo. No segundo mandato, sem Palocci e Dirceu, de quem Lula nunca gostou e até temia, o presidente seguiu tranqüilo e soberano.

Um desafio se impôs ao país com a quebra de Wall Street em 2008, mas Lula afirmou, então, que o que seria uma tsunâmi nos EUA, apenas seria uma marola no Brasil. Sua afirmação foi apontada pela crítica da época como imprudente e ingênua. Entretanto, as palavras do presidente se concretizaram. Pois, apesar da queda da arrecadação fiscal, a distribuição da renda aumentava, o investimento público subia e o consumo doméstico se mantinha. Para isso as práticas bancárias locais – através de controles rígidos – e a política de Estado foram preponderantes. O que acabou garantindo um crescimento econômico de 7% em 2009. E até a natureza ajudava a economia, com a descoberta de jazidas de petróleo.

Terminando o balanço da trajetória de Lula no governo, Anderson aponta o aumento da importância do Brasil no cenário internacional, sobretudo com a criação de uma organização dos países emergentes fora do eixo euro-americano (Brasil, Rússia, Índia e China), o BRIC. É interessante salientar, neste sentido, que apesar do Brasil ser o único dos quatros que não é uma potência bélica, Lula foi o único presidente a peitar os Estados Unidos em algumas questões da política externa. Por exemplo, reconhecendo a Palestina como um Estado e recusando o bloqueio ao Irã, a ponto de convidar seu presidente, Ahmadinejad, a uma visita a Brasília.

Pretendo no texto seguinte descrever e comentar as análises sociológicas que Perry Anderson traz para a análise sistemática do governo Lula. Clique aqui para ler!

Referências:

ANDERSON, Perry. O Brasil de Lula. Revista Novos Estudos, nº 91, nov. 2001, p. 23-52.

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