O fascismo é fascinante e deixa a
gente ignorante fascinada ♫
Humberto Gessinger
Como dito no post anterior, Papai Noel à fogueira,
fiquei de comentar sobre um recente acontecimento que alimenta a atual discussão
entre “religiosos” e “ateus” nas redes sociais do Brasil. O ensaio de
Lévi-Strauss sobre o suplício de Papai Noel, ocorrido em 1951 na cidade de
Dijon, incentivado pelo clero católico e também apoiado, naquela ocasião, pelos
“evangélicos” franceses, me levou a pensar sobre a repercussão do vídeo
“Especial de Natal” do grupo
humorístico Porta dos Fundos, divulgado no YouTube, em semana de véspera
natalina do ano de 2013. O texto que se segue é, portanto, uma espécie de
artigo de opinião sobre o espectro político que envolve o assunto em terras
tupiniquins.
Não é a primeira vez que, no
Brasil pós-Internet, o humor gera polêmica e divide a opinião pública. O próprio
grupo Porta dos Fundos já foi objeto de debates que envolvem
liberdade de expressão e respeito ao culto religioso. Depois da publicação do
vídeo “Deputado”, uma alusão ao
pastor Marco Feliciano, deputado federal (PSC-SP) e ex-presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias, o grupo que já não era bem visto por
evangélicos e simpatizantes foi respondido com um vídeo do Canal
dos Crentes, intitulado “Porta da Frente”, no qual
satirizam os comediantes do Porta dos Fundos associando-os às
causas gays, antirreligiosas e dizendo nas entrelinhas que eles vão para o
inferno. Desta vez, com o “Especial de Natal”, o grupo conseguiu desagradar
tanto evangélicos como católicos. Abundam petições públicas
contra o Porta dos Fundos, vídeos-resposta e ameaças de ações judiciais.
Uma consequência desse
acontecimento me chamou atenção para um aparente paradoxo na esfera
sócio-política. É interessante notar que determinadas personalidades, em geral
intelectuais e jornalistas, autointituladas de “direita”, que antes defendiam
com unhas e dentes a liberdade de expressão, agora se posicionam contra a
mesma. Isto me confirma provisoriamente
pelo menos duas coisas. Primeiro que esse supernutrido binarismo
político-ideológico brasileiro precisa ser usado com muita cautela e
transitividade. As ideias políticas não podem ficar reduzidas a uma oposição
maniqueísta entre esquerda e direita, como uma luta messiânica do bem contra o
mal, que é encarnada a gosto do usuário da língua escrita ou falada.
Só para dar dois exemplos da
complexidade da realidade que envolve a política pensemos o seguinte. A direita
se diz herdeira tradicional das liberdades individuais e do capitalismo. Não
por acaso, comediantes como Danilo Gentilli e Rafinha Bastos, ao se envolverem
em polêmicas e processos judiciais, se aproximaram da direita, dizendo-se
paladinos da liberdade de expressão. Agora sua classe profissional é atacada
justamente pelo seguimento ao qual se identificaram. O Papa Francisco, maior
autoridade da Igreja Católica, instituição tradicionalmente vinculada à direita
conservadora, tem feito afirmações de que uma das prioridades atuais é reduzir
a desigualdade social e conter a selvageria do capitalismo.
Certos simpatizantes da direita dizem agora que o Papa é comunista e precisa
ser excomungado (simplesmente porque ele pensa em justiça social). Claro que o
Papa não é economista, nem político profissional, mas também não é tolo de
achar que o mundo se restringe em esquerda (comunista) e direita (capitalista).
Até Reinaldo Azevedo da Revista Veja, elogiado por aqueles
que se vinculam ao conservadorismo, já ponderou que a crítica da Igreja ao
materialismo é de longa data e não tem nada de “comunismo marxista” nisso (clique aqui para ler).
A despeito desta complexidade, existe
um cem número de lunáticos que querem a qualquer custo reunir todo um conjunto
incontável de posições em apenas um adversário, um inimigo contra o qual se
deve lutar. Infelizmente, existem milhares de seguidores cegos desses profetas
que se dizem portadores da luz, seja de quaisquer vertentes as quais se
autoidentificam (“esquerda” ou “direita”). Numa era em que as informações “viajam
na velocidade da luz” e que a interatividade se faz constante, penso que é
chegada à hora da emancipação intelectual! Saber ouvir os outros e raciocinar
por si próprio. Ninguém vai “fazer a cabeça” de alguém que já saiu da
menoridade de pensamento. Mas é claro que a “maioridade” não é um estado do
qual se chega e não sai mais. Pelo contrário! Não há zona de conforto. Pensar,
analisar, refletir é um exercício como qualquer outro. Se o sujeito pára,
atrofia.
A segunda lição que podemos safar
desse debate é a falta de critério utilizada para acusar os que divergem de uma
totalidade político-ideológica forjada pelo acusador. Essa falta de critério
tem um fundamento. Ela é baseada numa política narcísica. Tem a ver com a ideia,
não raras vezes propagada, de querer transformar a esfera pública na esfera
privada, submetendo a primeira à última. Fazendo da praça pública nada mais que
uma extensão de sua casa. Alguns acontecimentos recentes no Brasil ilustram
isso melhor do que qualquer metáfora filosófica. Vou usar como exemplo o que
convencionalmente se chama por aqui por “direita” (liberal ou conservadora). Pode-se
dizer várias ofensas, discriminações e acusações contra ateus, gays,
feministas, comunistas, petistas, ativistas, anarquistas, muçulmanos e outros simplesmente
por estes acreditarem em seus objetos de crenças ou participarem de grupos que
se identificam com ideais e práticas. Pode-se, inclusive, fazer piada de
identidades ou subjetividades étnicas, sociais ou sexuais (mulheres, negros e
gays ainda são alvos em voga). “Isso é liberdade expressão garantida por lei
graças ao nosso maravilhoso Estado liberal!”, dizem muitos (inclusive aqueles
que crêem vivermos numa ditadura comunista-lulista). Ou podem dizer: “foi só uma
piada!” Mas aí quando a ofensa é feita a algo em que se identificam, a regra da
liberdade de expressão muda. Agora ela não vale mais. O que passa a valer a
partir daí é a liberdade de crença, de culto e, sobretudo, o crime contra
sentimento religioso. Gravar um vídeo satirizando personagens bíblicos não
pode, mas xingar o outro de psicopata e pedófilo está liberado. Tudo isso é
muito humano e cristão, não é mesmo?
A crítica ao capitalismo é tomada
da mesma forma. Descer a lenha no comunismo é muito louvável. Igualá-lo ao
nazismo configura-se então numa passagem direta para o paraíso em que Ludwig
von Mises é Deus e Margareth Thatcher é a versão feminina de São Pedro (ver aqui). Por outro lado, fazer
críticas ao capitalismo aí já é coisa do capeta ou, noutra equivalência, é
coisa de comunista. Só comunistas fazem críticas ao capitalismo, segundo o
pensamento de alguns. Novamente é apresentada a “totalidade forjada” em posições
que se reduzem tão somente a duas: esquerda ou direita, necessária e
respectivamente, comunista ou capitalista. Lembro-me de Giorgio Agamben repetir
recentemente o que Walter Benjamin já havia escrito no século passado, “o capitalismo é uma religião”.
E os fiéis religiosos do capitalismo no Brasil têm mais do que nunca sacralizado tal sistema
econômico. Esse mesmo que foi projeto para nos servir em vez de nós servirmos a
ele. Não se trata aqui de defender o comunismo, mas, por outro lado, atacá-lo é
como bater em bêbado. Ah como seria bom se o capitalismo melhorasse na medida em que
atacamos o comunismo! Mas já sabemos, não resolve nada.
Voltemos à questão das esferas
pública e privada. Ora, essa política baseada nas preferências particulares dos
indivíduos boa coisa não pode dar. Defender um conjunto de princípios fechados
em sua casa é uma coisa. Estendê-los a toda a sociedade é bem mais complicado
do que parece ser. Isso pode gerar um totalitarismo pior do que qualquer Estado
comunista ou fascista foi capaz impor até hoje. Claro, vai ser lindo se você,
bonitão, estiver do lado de quem está no cargo de poder soberano. Se estiver
junto daqueles que representam suas preferências a ponto de universalizá-las e
impô-las a todos os demais (mas se esse não for o caso?). É a isso que eu chamo de política
narcísica. O narcisista, como nos mostra o psicólogo americano Christopher
Lasch,¹ não é simplesmente o sujeito que acha lindo ao se olhar no espelho, mas o que deseja
olhar para fora, para a sociedade e se reconhecer totalmente nela, mergulhar e
morrer afogado nesse mar de gente. O fato acontece porque ele não quer
reconhecer ou não reconhece mais o limite em que termina o indivíduo e começa a
sociedade. E isso ocorre porque ele é apaixonado demais em si e deseja que o
externo seja tão somente uma extensão do seu próprio corpo, da inebriante
beleza da qual ele se vê portador.
Filósofos como Immanuel Kant² e
Hannah Arendt,³ que não têm a ver com o comunismo, pelo contrário, acho até que
são liberais republicanos, já ponderam sobre a necessidade de construirmos uma
sociedade em que a vida pública seja distinta da vida privada. Claro que
acredito que a liberdade de expressão deve possuir limites acordados pela
sociedade. Opinião que deixei clara num post do ano passado sobre o humor.
Na ocasião até elogiei o Porta dos Fundos* por eles terem
feito um vídeo que, em minha opinião, tinha colocado muita gente para refletir
sobre o universo não girar em torno de seus umbigos. Obviamente isso não exclui
minha opinião de que quem se sentiu ofendido ou discriminado deve reivindicar
seus direitos, inclusive, no judiciário, caso ache necessário. O que quis
chamar atenção aqui foi para a falta de despersonalização do critério ético,
transformada em hipocrisia, que acusa o outro da mesma coisa contra a qual se
revoltou. Sem a noção de alteridade fica impossível viver em uma sociedade
democrática – creio que pelo menos nisso podemos concordar. Penso, por isso, que
uma política aberta, plural e federalizada, poderá ser a mais adequada para que
as preferências pessoais, divergentes e até conflitantes, possam existir sem
serem doenças para o convívio social. A regra ética segundo a qual diz para não
fazer com o outro aquilo que não queremos que façam conosco, parece-me ainda
bastante válida.
__________________
¹ O livro de Lasch se chama A cultura do narcisismo.
² Indico duas obras de Kant para
o tema: O que é o esclarecimento? (clique aqui para baixar)
e A metafísica dos costumes (clique aqui para baixar).
³ De Hannah Arendt eu indico a
obra A condição humana (clique aqui
para baixar).
* Para finalizar essa chuva de
referência, recomendo o vídeo em que Marília Gabriela entrevista dois membros
do Porta
dos Fundos (gravado em agosto de 2013). Eles explicam entre outras
coisas que não pretendem fazer vítimas como no humor baseado no preconceito
contra minorias. (clique aqui para assistir).
http://www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54
ResponderExcluirAssisti agora o video sobre o natal, atendendo as orações e foi deus que me deu, acho que a critica moralista que as pessoas dão são da parte emocional, aquela historia da carapuça que serviu e sempre vejo as pessoas fazendo as propagandas erroneamente, não enaltece a capacidade que Deus deu para conquistar algo mas parece que foi dado por dar, orações que pede que uma determinada pessoa fique com ela, destruindo os planos dela ou de quem depende por parte desta e no video central que faz uma satira que é tratado as relações de hoje em dia como levar uma moça de carater duvidoso e de favor de conhecidos para conseguir algo que esbarra numa dificuldade, e igual a south park, tem o lado péssimo mas desse lado deve aprender algo pra valer a pena
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