segunda-feira, 16 de abril de 2012

A Comuna de Paris: retornar à história

Na última sexta assisti à palestra de Alexandre Samis: membro da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), doutor em História pela UFF, professor do Colégio Pedro II no Rio e um conhecido pesquisador do anarquismo, autor de alguns livros sobre o assunto.¹ O tema da palestra foi a Comuna de Paris, sua pesquisa atual, já publicada no livro Negras Tormentas: federalismo e internacionalismo na Comuna de Paris.² Neste post farei um esboço dos pontos que me chamaram atenção na palestra.
 
Para quem desconhece completamente a Comuna de Paris, vale resumir o que ela foi: um governo autogestionário e descentralizado na França, em 1871, durante a guerra franco-prussiana. Infelizmente esta experiência operária e socialista durou somente quarenta dias. Isto é, durou até quando as tropas de Thiers (presidente da Terceira República francesa) conseguiram penetrar à comuna e promover a execução de cerca de 20 mil pessoas, torturando e prendendo outras 40 mil.

A exposição de Samis destacou o contexto histórico que gestou a possibilidade da Comuna. Desde Proudhon os movimentos sociais revestiram-se das ideias federalistas de organização social e política. O contato entre mutualistas proudhonianos e coletivistas (sobretudo, Varlin e Bakunin) durante encontros da Primeira Internacional proporcionou o florescimento de um socialismo antiautoritário, o qual se contrapunha ao centralismo dos projetos blanquistas e marxistas. Pode-se dizer que, por meio desta troca de experiências e da contrariedade ao socialismo de Estado, pela primeira vez um grupo de ativistas se assumiu anarquista (embora a "anarquia" ainda fosse uma categorização pejorativa usada principalmente por Marx e Engels com o intuito de atacar aqueles que criticavam as propostas de Estado de transição, de governo revolucionário e de constituição de partido político).

Varlin era membro da guarda nacional parisiense e sua participação foi decisiva por mobilizar forças dentro desta instituição militar que, a partir de certo momento, expulsou os membros da prefeitura de Paris e tomou a administração pública. A maioria da tropa da guarda nacional era composta por operários e pequenos burgueses, socialistas e jacobinos. Neste instante, com as armas na mão e a pátria se acovardando mediocremente na guerra contra a Prússia, o povo tinha então a possibilidade de fundar um novo governo. Quando Thiers percebeu esse jogo de forças contrário à sua autoridade, ele determinou a contenção do material bélico durante a surdina da madrugada. Mas já era tarde. A massa agora estava no controle. Para Kropotkin:
"a derrubada do poder central ocorreu, mesmo sem encenação comum de uma revolução: naquele dia, não houve tiros de fuzil nem rios de sangue derramado atrás das barricadas. Os governantes eclipsaram-se diante do povo armado que descera à rua. [...] Paris, mal tendo derramado uma gota de sangue dos seus filhos, encontrou-se livre da imundície que empesteava a grande cidade. No entanto, a revolução que acabava de realizar-se, abria uma nova era na série das revoluções, pelas quais os povos caminhavam da escravidão à liberdade. Sob o nome de Comuna de Paris, nasceu uma nova ideia, destinada a tornar-se o ponto de partida para as futuras revoluções" (2005, p. 101).
Assim, as ideias federalistas dos internacionalistas foram postas em prática neste novo governo: houve coletivização dos bens de produção; redução da jornada de trabalho; a educação se tornou gratuita; imagens clericais e estátuas de representantes políticos foram destruídas; em lugar dos cultos e ritos, as igrejas passaram a funcionar como grupos de discussão; o salário dos professores tornou-se o maior entre todas as profissões; eleições foram baseadas na democracia direta; no lugar da bandeira tricolor, uma nova foi assumida (agora vermelha); além de outras medidas.

Louise Michel
Mesmo as mulheres ainda não tendo direito ao voto, resquício do machismo naturalizado da época, seus papéis na sociedade foram valorizados. Muitas delas passaram a integrar a guarda revolucionária, bem como discutiam de igual para igual com os homens. A mais conhecida, sem dúvida, foi Louise Michel: ativista reivindicada como símbolo por diferentes vertentes da esquerda contemporânea e um ícone do feminismo.

Entretanto, após muitas tentativas frustradas dos soldados de Thiers (“refugiado” no Palácio de Versalhes) em retomar Paris, a França fez acordo de paz com a Prússia a fim de derrotar a Comuna. Neste sentido, foram libertados prisioneiros de guerra para atuarem na derrubada do autogoverno parisiense. E a comuna nada pode fazer diante do enorme contingente de soldados que marchavam rumo à sua destruição. Varlin foi executado brutalmente e se tornou um mártir dos movimentos socialistas europeus. O sonho da Comuna de Paris havia acabado, mas no pensamento de milhares de operários ficou a possibilidade (agora experimentada) do surgimento de outro regime de autogestão como afirmará Bakunin:
"Sou partidário da Comuna de Paris que, por ter sido massacrada, sufocada em sangue pelos carrascos da reação monárquica e clerical, tornou-se mais viva, mais poderosa na imaginação e no coração do proletariado na Europa; sou seu partidário, sobretudo porque ela foi uma negação audaciosa, bem pronunciada do Estado" (2006, p. 139).
Atualmente a Comuna tem sido motivo frequente disputa entre as vertentes de esquerda: na tentativa de sacralizar um mito histórico em favor de suas propagandas ideológicas. No entanto Samis fez questão de destacar a impossibilidade em afirmar que a Comuna de Paris foi uma experiência de sociedade "anarquista", mas tampouco foi "marxista" ou de qualquer outra tendência hegemônica. O que aconteceu em Paris foi uma organização social libertária e plural. Assim, mesmo que a maioria dos participantes optasse pelo centralismo, a minoria federalista a convenceu pela adoção da descentralização política. Desta forma Bakunin ressaltará à efemeridade daquela instituição: 
"É preciso reconhecer, a maioria dos membros da comuna não eram propriamente socialistas e, se agiram como tal, é que foram invencivelmente levados pela força irresistível das coisas, pela natureza de seu meio, pelas necessidades de sua posição, e não pela íntima convicção" (2006, p. 140).

Referências:

BAKUNIN, M. Textos anarquistas. Porto Alegre: L&PM, 2006.
KROPOTKIN, P. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário, 2005.

[1] Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002.
Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009.
[2] São Paulo: Editora Hedra, 2011.

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